1.
É extremo nomear a ferida de todas as paixões,
há esse acontecimento puramente incandescente
que nos separa e lá está todo o terror do mundo,
morar comigo dentro da fome de deus não é
uma opção, eu sei que doí toda essa proximidade
com o invisível,
nós erguidos contra os muros, devotos,
íntimos do silêncio e da promessa pelo
fogo eterno, eu não temo mais os
parques eólicos ou as visões do voo
incriado de estrelas que se tocam
tão humanamente quanto é impossível,
é hora de testemunhar o coração
em chamas, a morte do último
Nome, o espaço fraturado em
martírio e contententamento,
estar disperso nessa extensão,
inteiramente entregue ao início
do fim dos tempos, possuído pela
imagem de âncora sob todo incêndio.
2.
Todos estes sinais, ilhas de peixes
ensanguentados e orquidários cobertos
de uivos maternos, é como abolir a morte
tão cegamente, eu disse:
toca-me para que os animais marinhos
ressuscitem, toca-me para que algo
esteja em profundo colapso e as vozes
quentes escureçam a noite, até que não
haja nenhuma sombra ou cadáveres de
cardumes em alto mar, eu escuto teu corpo
romper a água e tudo em mim teme não
saber como morrer, atravessar todo o mistério
do inominável com o teu sangue no colo,
toda a violência do nascimento.
São muitas as noites em que sinto o cais
avançar sobre nós, invadir o porto,
a casa, o nome, nos levar inteiramente
tão sós para o fim, é nesta hora em que
tenho a visão de uma criança segurando
brasas de fogo, inumeráveis, ao nosso
redor, ela nos toca e já não enxergo
mais nada.
Imogen Cunningham, Eikos Hands
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Cíntia Faria. Poeta, finda em 2019 a graduação de psicologia na UFRJ, vive no Rio de Janeiro.