“Deponho o manuscrito na mesa. É bem ele, mais ou menos ele, nada a ver com ele. É uma entidade tentando sair, entender as coisas. (…) Noto que a luz mudou, um crepúsculo brilhante que logo nos lança à noite. Levanto para examinar uma fotografia que Sam pregou, um pouco torta, num nicho por cima da pia da cozinha. Uma xamã desvairada com um aparelho de rádio cassete.
– Onde ela foi tirada?
– Em algum lugar no deserto de Sonora.
– É real?
Talvez, ele diz, mas, afinal, quem sabe o que é real”.
Patti Smith, no prefácio de Aqui de dentro
Eu fiquei intrigado e feliz quando vi, na contracapa da edição brasileira de The one inside (Aqui de dentro, tradução de Denise Bottmann, lançado no ano passado pela Estação Liberdade), de Sam Shepard, a reprodução de Mujer Ángel, da fotógrafa mexicana Graciela Iturbide. Achei curiosa, a escolha.
Sam acertou na mosca: sim, a foto foi tirada no deserto de Sonora, México, em 1979. Graciela trabalhava em uma série sobre a tribo nômade Seri. Em 2012, ela explicou para o The Guardian, na série My best shot:
” On the day of this particular image, I went with a group to a cave where there are indigenous paintings. I took just one picture of this woman during the walk there. I call her Mujer Ángel [Angel Woman], because she looks as if she could fly off into the desert. She was carrying a tape recorder, which the Seris got from the Americans, in exchange for handicrafts such as baskets and carvings, so they could listen to Mexican music”.
Após alguma escavação na Internet, descobri que antes de morrer Shepard deixou claros seus desejos de como ele gostaria que o livro Aqui de dentro fosse publicado.
A capa deveria estampar, invariavelmente, a fotografia Mujer Ángel.
Uma imagem fantasmagórica poderosa que faz todo sentido em Aqui de dentro (uma das pistas está na página 34 do livro).
Veja galeria de fotos de Graciela Iturbide aqui.
/
Cassiano Viana (@vianacassiano) é editor do site About Light.
about light 