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O chamado paciente zero da pandemia da covid-19 nos Estados Unidos se apresentou no dia 21 de janeiro em um hospital em Seattle. A primeira morte pelo vírus foi confirmada alguns dias depois, já em fevereiro, na Califórnia.
Em uma escalada sem precedentes, no final de março o país se tornou o epicentro da pandemia no mundo. Em maio, chegava à marca de 100 mil vítimas, sendo a cidade de Nova York o lugar que concentrava a maioria dos casos e mortes.
Mariana Lemos Duarte é de Niterói (RJ). Fez faculdade e mestrado no Rio de Janeiro e morou em São Paulo por quase dez anos. Em 2016, mudou-se para San Diego, nos Estados Unidos, onde ficou por um ano para fazer o pós-doutorado. Vive desde dezembro de 2017 em Nova York.
Ela é bioquímica e farmacologista e trabalha no Departamento de Farmacologia do hospital Mount Sinai, em Manhattan, um dos principais centros de tratamento para o coronavírus quando Nova York estava no pico.
“Meu primeiro contato com o vírus foi com Chenge Liu, meu aluno chinês. Ele estava muito preocupado com a mãe, que mora perto de Xangai”, lembra. “Ele acompanhava a construção de um hospital de campanha construído na China em menos de dez dias como se acompanha um streaming. E sempre tinha um vídeo ou assunto para compartilhar sobre o tema”, recorda.
Quando viram a cidade adoecendo, ela e o marido, Vinícius de La Rocha, também brasileiro, saíram fotografando e filmando. “Na época eu já tirava fotos com minha câmera analógica. Então resolvi tirar uma série de fotos no caminho da minha casa para o laboratório”, conta. “Nos meus rolos de filme do fim de semana que antecederam o lockdown, vejo que todas as fotos contêm certo prazer. Algo que só fui perceber durante a quarentena”, observa. “Sinto que o mundo precisou parar para eu perceber essas pequenas alegrias”, admite.
Mariana confessa que teme como vai ser no futuro. “Sou imigrante em um país em que a cultura do ‘não me toque’ já era muito aceita”, explica. “Conheci pessoas que odiavam ser abraçadas e tinham orgulho disso”, conta, lembrando que no Brasil quando alguém assume que odeia abraço muitas vezes o faz com certa vergonha. “O abraço não pode ser algo temido”, diz.
Além disso, ela lembra que quando a pandemia começou havia fila nas lojas que vendem armas em outros estados da América – em Nova York não é permitido o porte de armas. “Não podem ser normais armas e falta do toque para se proteger”, avalia. “O futuro aqui é contaminado com o presente de um país que não sinto como meu”, conclui.
Como cientista e pesquisadora, Mariana diz que a pandemia e todas as descobertas que estão sendo realizadas sobre o assunto estão progredindo em tempo real. “Ainda não sabemos se a pessoa infectada pode se contaminar novamente. Se os anticorpos que ela produziu serão suficientes para protegê-la de uma nova infecção. Não se sabe realmente a taxa de pessoas contaminadas”, explica. “Existem predições e bons estudos realizados até mesmo no Brasil sobre taxa de infeção do vírus. Mas, como cada país tem sua política de saúde, as predições não são 100% acuradas.”
Portanto, não acabou. Está longe de acabar.




Publicado no dia 26/06/2020, no site do Itaú Cultural:
https://www.itaucultural.org.br/olhares-sobre-covid-marco-zero-relato-3