São Luís, 23 de dezembro de 2017

Não restou muito.

A casa está mudada. O piso foi trocado no ano passado. Nana e Faya – as cãs de minha mãe – morreram no ano passado. Minha mãe ganhou uma Rosa, um papagaio que tratei logo de apelidar de Frango de Padaria. Como anda solta, Rosa me segue pela casa.

Rosa é um dos sobrenomes de meu pai, José Aurélio Rosa Viana. Minha mãe chama a sua Rosa de Rosa Maria. Acho bonito. Minha mãe explica que Rosa Maria era o nome de uma amiga de infância. Maria era também o nome de sua mãe, minha avó, Maria Raimunda.

Quando era muito nova, antes de eu nascer, minha mãe teve uma Rosa. Ciclos. Meus pais envelheceram. Eu envelheci. As cãs – que viveram pelo menos dezesseis anos e eram uma parte importante da casa, de sua memória – morreram.

A primeira Rosa da minha mãe morreu porque esqueceram de cortar as asas. Na verdade, não morreu. Um dia voou e ninguém nunca mais encontrou.

Não restou muito. Dos últimos anos que morei aqui restaram os móveis da sala de jantar e o quadro da sala, um Roberto Freire que minha mãe adquiriu em algum momento nos anos 80.

Sempre que venho para São Luís, a primeira coisa que faço, ao chegar na casa dos meus pais, é abrir as três gavetas do móvel da sala de jantar, um armário baixo, de parede. A primeira gaveta, da esquerda, guarda tesouras, caixas de fósforos, toda sorte de objetos de casa; a segunda gaveta, biscoitos, o lanche das crianças que hoje se tornaram adultos; a terceira e última, da direita, toalhas de mesa, guardanapos. Na parte de cima desse armário, um Jesus Cristo, uma Nossa Senhora, um anjo.

Não importa quanto tempo passe, esse armário continua sempre o mesmo. Guarda as mesmas coisas.

Minha mãe hoje mostrou fotos do meu primeiro casamento. Mostrei para Laura, que não comentou.

Encontrei no meu quarto um livro do Michelangelo Antonioni, O fio perigoso das coisas e outras estórias. É o último livro meu que restou aqui, na casa dos meus pais. Aqui ficará.

Estávamos na praia, eu e Laura, quando minha irmã chegou trazendo Bira, meu tio, irmão da minha mãe. Ubirajara, o único filho homem de Jarson Berto de Oliveira e Maria Raimunda Castro Oliveira, meus avós maternos. Bira é um dos únicos que me chamam de Cassito, como meu avô chamava. Cassito. Ou Cassianinho.

Bira sempre foi um homem silencioso. Não casou. Nunca soube de nenhuma namorada.

Laura cresce. Está aprendendo a surfar. Ela aprende rápido e principalmente é muito corajosa. É uma alegria enorme, para mim, vê-la imersa no mesmo mar, nas mesmas ondas onde me criei.

Meus pais moram no Barramar, um condomínio de apartamentos construído no final da década de 80. Mudamos para o prédio no final de 1987. Eu tinha quatorze anos. Escrevo sentado no mesmo lugar em que costumava sentar para ler, conversar com minha mãe, tocar violão ou esperar algum amigo chamar.

O condomínio, cerca de 24 blocos de prédios, está bastante abandonado. Foram feitas reformas desordenadas, a tinta das fachadas descasca, as placas que indicavam os prédios foram arrancadas. As ruas estão cheias de gatos. Disso eu gosto.

Minha mãe comprou uma máquina de costura. Sei que ela fez isso para lembrar, estar próxima da própria mãe, que costurava muito bem.

Ontem a conversa com meu pai foi maravilhosa. Acho que nunca conversamos daquele jeito. Ele me ensinando a tocar pandeiro. Dizendo “você é músico, sabe melhor isso que eu “. E me ensinou algo bem básico, e muito bonito, como se fosse o sapateado de samba. Ouvíamos Martinho da Vila e Paulinho da Viola.

Ele contou que, nos tempos de Escola Técnica, foi aluno de música do pai da Alcione. Chegou a aprender a tocar clarinete, mas o instrumento de paixão dele era o tarol, como chamam em São Luis, as caixas dos blocos de rua de carnaval.

Fui feliz aqui. Muito feliz. Não falta carinho. Não falta afeto por tudo neste lugar.

Estou na varanda da casa dos meus pais. Laura está na sala, sentada no sofá, desenhando. Este é o primeiro fim de ano que passo em São Luís desde a mudança para o Rio de Janeiro. Desde o nascimento da Laura tento visitar a cidade pelo menos uma vez a cada ano.

Neste ano é diferente. Acho. Em 2018 completo quinze anos fora da cidade, quinze anos no Rio de Janeiro. E completo 45 anos.

DSC_3305DSC_3281DSC_3280DSC_3279DSC_3339DSC_3432DSC_3459DSC_3287

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s