É célebre a carta enviada por Baudelaire, na foto retratado por Nadar, ao diretor do Salão de 1859, citada por Walter Benjamin em sua Pequena história da fotografia.
Na carta, Baudelaire chama a fotografia de “refúgio de todos os pintores fracassados”.
E afirma que se for permitido à fotografia “usurpar o domínio do impalpável e do imaginário, de tudo aquilo que apenas tem valor porque o homem lhe acrescenta alma, então, que desgraça a nossa! ”
Em 2007, a revista da Facom/Faap publicou o texto na íntegra (link no final da página), traduzido pelo professor Ronaldo Entler.
“Como a indústria fotográfica foi o refúgio de todos os pintores fracassados, demasiado mal-dotados ou preguiçosos para acabar seus estudos, esse deslumbramento universal teve não somente o caráter de cegueira e imbecilidade, mas também, a cor de uma vingança. Que uma tão estúpida conspiração, dentro da qual, como em todas as outras, encontramos os perversos e os equivocados, possa vencer de maneira absoluta, eu não acredito, ou pelo menos não gostaria de acreditar; mas estou convencido de que o progresso mal aplicado da fotografia muito contribuiu, como aliás todo progresso puramente material, para o empobrecimento do gênio artístico francês, já tão raro.
(…)
Se for permitido à fotografia substituir a arte em qualquer uma de suas funções, ela logo será totalmente suplantada e corrompida, graças à aliança natural que encontrará na tolice da multidão. É preciso então que ela retorne ao seu verdadeiro dever, que é o de ser a serva das ciências e das artes, a mais humilde das servas, como a imprensa e a estenografia, que nem criaram e nem suplantaram a literatura. Que ela enriqueça rapidamente o álbum do viajante
e devolva a seus olhos a precisão que faltava a sua memória, que ela ornamente a biblioteca do naturalista, amplie os animais microscópicos, ou mesmo, que ela acrescente ensinamentos às hipóteses do astrônomo, que ela seja enfim a secretária e o guarda-notas de quem quer que precise, em sua profissão, de uma absoluta precisão material, até aí, nada melhor. Que ela salve do esquecimento as ruínas decadentes, os livros, as estampas e os manuscritos que o tempo devora, as coisas preciosas cuja forma irá desaparecer e que pedem um lugar no arquivo de nossa memória, ela terá nossa gratidão e será ovacionada. Mas se lhe for permitido usurpar o domínio do impalpável e do imaginário, de tudo aquilo que apenas tem valor porque o homem lhe acrescenta alma, então, que desgraça a nossa! ”
Charles Baudelaire, O público moderno e a fotografia, Carta ao Sr. Diretor da Revue Française sobre o Salão de 1859 – 20/06/1859
Tradução: Ronaldo Entler, em: http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/facom_17/entler.pdf
/
Cassiano Viana (@vianacassiano) é editor do site About Light