No final dos anos 70, eu era um adolescente. Em 1980 completei meus 18 anos. Segui adolescente até 2010, mais ou menos. Eu admiro demais as pessoas que cumprem rapidinho o papel de adolescentes e entram logo na definição de jovem, mas estou dentro de uma estatística grande de pessoas que são retardadas, nesse sentido da relação de sua idade com o modo como elas se sentem e como se relacionam socialmente.
Quando eu tinha 16, pedi e ganhei uma vitrola portátil. Era uma vitrola ocre e que sua tampa ao se abrir, se dividia em duas caixinhas de som. Era estereofônica. Não me lembro direito dos discos que eu tinha, eram poucos, mas pra se ter uma ideia do conjunto, me lembro de um dos discos da cantora brasiguaia Perla, entre os meus. E que era muito famosa, naquele tempo, por cantar no Chacrinha e no Silvio Santos e nas rádios também.
Então, eu estava cursando o segundo grau e estava ficando amigo de um outro garoto, até o ponto em que ele me levava para seu quarto, pra ouvir seus discos com ele. E os discos dele e a vitrola dele, eram muito diferentes dos meus. Porque os meus discos, depois de serem ouvidos por dez vezes, eu ía ficando num torpor, numa chateação, cheio de enfado, e eram essas as coisas que eu começava a sentir com as músicas dos discos que eu tinha. Os discos dele, eram bem estranhos pra mim, no começo, mas depois de um tempo, de outras vezes, ouvindo, eles íam ganhando mais sentido e gosto. Eu gostava principalmente do Raimundo Fagner e do Caetano Veloso. E nas músicas do Caetano, demorei bastante pra entender as melodias, porque eu não via que elas existiam, mas com a repetição, foram aparecendo mais e mais. Também tinha um lance gay nele que me atraía e consolava.
Outro dia alguém fez um elogio enorme ao Robert Crumb, como se conhecer Robert Crumb fosse parte do meu universo. Esse lance dos universos, eles são muitos e a gente vai saltando por eles, então, eu disse que não conhecia e fui googar. Aí, vi que Robert Crumb estava no quarto de meu amigo de escola, porque além dos estranhos discos de música brasileira que ele me apresentara, ele também ouvia muitos discos de Rock and Roll. E na capa de um dos discos da Janis Joplin, toda em quadrinhos, tinha um desenho dela acorrentada a uma bola de ferro. Pode-se fazer, a essa imagem de uma mulher acorrentada a um peso enorme, associação a várias coisas, mas eu, assombrado, associava o peso ao uso das drogas.
Dos outros discos de rock que ele tinha, há dois de que não me esqueci. Não por conta do disco em si e de suas músicas, mas por conta das suas capas. Tinha uma capa que eram, como que fotos, ao mesmo tempo, como desenhos, de três cabeludos, meio que unidos no mesmo corpo. Esses rapazes tinham um lance masculino que eu invejava, quer dizer, que eu admirava muito. Na época, eu pensava que o que eu gostava neles era de seus cabelos grandes e o aspecto de caras ricos, mas do que eu me admirava mesmo era de suas masculinidades.
A outra capa de que eu gostava de ficar olhando, era uma capa do Led Zeppelin que tinha repetidas fotos das mesmas duas crianças, uma menina e um menino, pelados, vistos por trás, a escalar uma plataforma de crostas de pedras que mais pro final, era um muro. Essas crianças peladas meio que abrasadas na crostras das pedras também não me saíram da memória. Não tinha nada de sexual na visão. As fotos arrumadas na colagem das pedras, era mais um delírio reverso ao delírio da bola de ferro pesando a jornada da Janis Joplin, era um delírio suave, leve, angelical, que subia e soltava. Era o outro lado do muro, que imagino, a partir dele estar outro e outro e outro lado. São muitos os universos e a gente vai saltando por eles.
Isso pode ir continuando em outras fotos de capas de discos de vinil do meu, agora, amigo de adolescência. A capa do primeiro do Secos & Molhados e do disco Índia, da Gal costa. Além de, no outro lado do outro do outro lado do muro, a foto da capa do disco da Perla.
Luís Capucho (https://luiscapucho.blogspot.com/) é poeta, músico e compositor.