Desde que comecei a viajar para fotografar lugares, a minha experiência com a viagem ganhou em significado e muito embora Nova Iorque e Paris já estivessem entre minhas melhores cidades para fotografar, eu não tinha Berlim nesse raio. Certamente, porque eu ainda não tivesse passado um verão em Berlim.
O verão é uma estação de qualidades vitais, energia, liberdade. Minhas lembranças de verões passados sempre têm gosto de sal; fins de tarde dourados; pouca roupa e festas. Ainda, todas são em países de língua latina, com risadas altas e gestos largos.
O verão em Berlim vem com as mesmas qualidades, mas o lastro da história daquela cidade, na cultura das pessoas de lá, faz com que os significantes entorno do verão tenham outro significado. Um contentamento suave; um certo aproveitamento solene dos espaços públicos; almoços sob o sol com roupas de trabalho; sorriso nos olhos dos que trabalham nas ruas; pessoas que não estavam apenas passando nas ruas, mas parecia que tinham se vestido especialmente para estar nas ruas.
Parte do que eu estava fazendo ali era fotografar a Berlim atual, cosmopolita, sua contemporaneidade inclusiva à diferença, que convive bem com a alteridade. Mas a recepção nas ruas foi convidativa e o trabalho se desdobrou.
Eu começava às 8h e voltava às 20h, quando não ficava um pouco mais e abria uma garrafa de vinho, numa mesa na calçada, perto do hotel.
Estar mais fora do que dentro permite outra relação com a cidade. Percebe-se a circulação e o comportamento nas ruas. Além disso, a arquitetura de Berlim é riquíssima e variada. Do lado ocidental existe o modernismo da República Democrática da Alemanha, na altura da Alexanderplatz e cercanias, que contrasta com o modernismo do lado oriental, de inspiração russa.
Mesmo para quem nunca se interessou pela história da arquitetura, existem detalhes que, na repetição, o olho sensível percebe. Os prédios baixos na sua maioria – em muitos bairros o gabarito de altura não pode ultrapassar os 22 metros do chão até o beiral – e o uso extensivo de janelas verticais. Isso sem falar na linguagem funcionalista derivada da Bauhaus e do cubismo, que hoje recria um entendimento de arquitetura, design e extensão do espaço, de forma mais integrada.
Nesses prédios notamos a amplitude das janelas, que se apresentam não apenas mediando a relação do espaço com a entrada de luz e o quadro com o ambiente exterior, mas um statement.
Eu voltaria a Berlim no próximo verão. Voltaria para explorar mais a linguagem das ruas, ser mais perene às suas particularidades e dar início a uma série.
Documentar cidades é mais do que falar de lugares, é visitar sua história, sua cultura e a riqueza de códigos próprios, que falam entre si. Isso exige tempo. Um tempo que é emocional e por isso existem lugares que saímos de lá já com a impressão de que esse é um lugar para voltar. E logo.
Ticiana Porto (@ticianaporto)
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