“Nasci no interior do Maranhão, em Santa Luzia, mas moro desde criança em São Luís. Tenho 30 anos. Desde criança tive interesse por imagens, ficava vidrada naquelas propagandas de revistas em quadrinhos. Assim que cheguei em São Luís gastava todo o meu dinheiro em revistas, chegava a trocar tênis por revistas de vários tipos”.
Saber de Gê é um bálsamo. Ainda mais quando ela, fotógrafa maranhense, fala ou escreve coisas como “xero”, “ralado” e “que lombra”.
Gê conta que fez um curso técnico de teatro, mas no meio do curso descobriu que não gostava de atuar. “Eu queria era mexer com papel, pintar. Sempre gostei do tempo das artes visuais, os períodos, os estilos. Nesse processo da academia não aprendi a desenhar, mas mexer no celular, editar e desconstruir imagens. O que também é uma forma de desenhar, acredito”, diz.
Ela conta que o caminho para chegar ao Paridade, trabalho selecionado para o Festival de Fotografia de Tiradentes deste ano, começa nas conversas com Layo Bulhão, poeta e artista visual maranhense, sobre o medo que tinha das histórias de capelobos, lenda popular de origem indígena, muito comum no Maranhão e Pará, que seu avô contava na infância.
“A partir dessa lembrança, comecei a me enfiar em buracos sempre que transitava no meio dos matos na parte rural da cidade. E lembro que Kenny me questionou se eu já havia perguntado para minha avó se existia alguma relação indígena na minha família”, recorda. “Isso ficou em mim guardado. Só depois de algum tempo fui questiona-la e ela disse que sim, que a mãe dela era bicho de cachorro do mato, que tinha sido pega no mato. Ou seja, que ela, minha bisavó, era uma índia que foi pega do seu lugar de origem, em um sequestro. A partir daí fui levantando coisas em mim”.
Foi quando surgiu, em Gê, a busca pela semelhança em outros corpos, em outros indivíduos que se reconhecem ou pertencem a uma descendência indígena, intercalando fotos de pessoas que encontrava em viagens com imagens de nativos que sofreram genocídio ao longo da história.
Na volta de um festival de arte urbana, o Concreto, em Fortaleza, o nome Paridade estava já na sua cabeça. “Pensei que tivesse pego de alguma exposição nos centros de arte que visitei. Cheguei a perguntar pra Diego [Diego dos Santos, artista visual cearense] se existia algum trabalho com esse nome, mas semanas depois ele me respondeu dizendo que não”, conta.
“Foi aí que conversei com Layo e disse que ia fotografar pessoas que tivessem descendência indígena, que ia explorar essa parecença, mas que também queria indígenas confrontando a primeira imagem”, conta. “Viajei para Santa Luzia, minha cidade, e lá encontrei pessoas que faziam parte da minha infância. Fotografei minha tia, vizinha e outras pessoas que estavam perto dessas lembranças de alguma forma”, lembra. “Minha avó não deixou eu retirar o seu retrato”.
“Paridade desperta nosso olhar sobre o quanto sabemos de nós, para além de nossa própria linha do tempo e, nos lança a um encontro imagético com corpos/índios que em suas singularidades, nos aprofundam em nossas particularidades. Em que ponto nossas raízes tocam ou cortam as veias indígenas?”, escreve Layo, no texto curatorial de Paridade.
Para Gê, Paridade é uma denúncia.
“Nas colagens nas ruas, quero falar das diferenças e semelhanças dos povos. Do que fomos e o que somos agora, relatando essa metamorfose, essas transformações”, explica.
“O índio sempre foi visto na mídia televisiva e impressa como violento, algo assustador, que erro. Muita coisa se perdeu nos genocídios. Os Estados Unidos dizimaram boa parte desses povos. No Brasil, estamos aqui, lutando ainda pela permanência dos que ainda existem “, diz, acrescentando que Paridade é também família, entrelaçamento de histórias.
“Eu tenho traços de alguma comunidade que vem da minha bisavó da mãe dela da minha avó. Sou índia, mas não pertenço a uma comunidade especifica, estou aqui na cidade”, diz.
O processo de elaboração do Paridade parte da conversa, do encontro de um lugar:
“A Dona Maria ainda não fotografei ela, mas ela vai ser fotografada. Vou tirar esse retrato. Mas isso não acontece assim do nada”, explica. “A gente se conheceu num percurso quando estava indo tomar banho em um rio. Ela tem um mercadinho que na volta do banho sempre encostamos por lá. Só depois de alguns meses eu fui falar sobre a família dela, perguntei como era a sua Mãe? o Pai? eles eram índios? Ela respondeu a mesma coisa que minha avó, Hildene Homem, e seu Nezin, quando fui fotografa-los”, conta.
” Depois de retirar o retrato eu faço uma edição no photoshop intercalando com imagens salvas da internet de indígenas de variados lugares. Feita a edição, eu jogo nas ruas com a técnica do Lambe-Lambe. Eu trabalho nas ruas”.
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“Gê Viana: a busca pela paridade em povos indígenas”. Por Cassiano Viana.
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Cassiano Viana (@vianacassiano) é editor do About Light.
Veja galeria com as fotos de Paridade, de Gê Viana, aqui.