Para além da fotografia de rua que retrata a sociedade americana nas décadas de 50 e 60 – sobretudo a vida nas cidades de Chicago e Nova York –, uma parte expressiva do acervo de Vivian Maier é composta por autorretratos.
Diferente da encenação/teatralidade e da narrativa/autodramaticidade de fotógrafas como Francesca Woodman e Cindy Sherman, Vivian Maier, ao que parece, buscava apenas se inserir na paisagem com sua Rolleiflex, no entanto, sempre com grande elegância e apuro estético.
Nesse sentido, suas imagens estão mais próximas da obra da alemã Ilse Bing e seu “Autorretrato com uma Leica”, de 1931.
De olhar arguto, Vivian Maier servia-se de qualquer superfície que refletisse sua imagem – vitrines de lojas, cabines telefônicas, espelhos, calotas de automóveis e imensos holofotes –, mas também sabia projetar sua sombra na grama de um parque, na areia de uma praia e ao longe, em um edifício. Era, certamente, hábil e engenhosa na arte de retratar a si mesma.
Não existia clamor por atenção – não que ela quisesse, ao que parece, ser invisível – e aqueles que se apressam em nomeá-la, e a Francesca Woodman e Cindy Sherman, principalmente, como pioneiras do selfie – pensamento fácil e clichê –, deveriam lembrar que autorretratos existem desde o surgimento da fotografia.
Nem todos vivem ou elaboram a vida através de uma lente filosófica, estética ou acadêmica, ou são ávidos pela autoexposição e Vivian Dorothea Maier talvez fosse, ao contrário da pessoa excêntrica e misteriosa que muitos querem, apenas uma pessoa reservada, com grande talento para a fotografia e que desejava retratar a si e ao mundo, colecionando imagens como em um diário.
Pouco mais de dez anos após a descoberta acidental de seus negativos por John Maloof, um agente imobiliário que por acaso adquiriu em um leilão um lote de bugigangas e com isso fez o nome na história da fotografia, trava-se hoje uma batalha legal e intelectual acerca de Vivian Maier e sua obra. É grande a especulação sobre as motivações, sobre o que a levou a fotografar, de onde viria sua técnica, que fotógrafos a influenciaram, e, principalmente, por que ela manteve suas imagens em segredo.
Fala-se em timidez, solidão voluntária e de uma personalidade antissocial – e, no entanto, ela nunca parece triste ou melancólica em suas fotos. Muito pelo contrário, ela parece sempre estar muito à vontade.
Infelizmente, Vivian, que faleceu em 2009, aos 83 anos, sozinha e anônima em Chicago – e que completaria, nesta quinta-feira, 92 anos – nunca responderá a essas perguntas.
Dorrit Hazarim, em O instante certo – livro fundamental para os amantes da fotografia –, vai direto ao ponto: não há filme ou livro capaz de solucionar o enigma central da existência de Vivian Maier.
Talvez o mais próximo que teremos de uma pista e depoimento legítimo da hoje consagrada fotógrafa, seja algo que ela, nos tempos de babá, disse para um de seus empregadores:
“I have to tell you that I come with my life, and my life is in boxes”.
Cassiano Viana, Os autorretratos de Vivian Maier.
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Cassiano Viana (@vianacassiano) é editor do About Light.
Veja galeria de autorretratos de Vivian Maier aqui.