L.A. Photoworks, o diário de Victor Hugo Cecatto

Fui para Los Angeles em agosto de 1988, atrás de uma namorada que já morava há um ano nos EUA. Ela me deu a grana da passagem. Eu cheguei na cidade com 300 dólares que consegui levantar com a venda dos livros de medicina do meu irmão e com a rescisão de um contrato de trabalho.

Éramos três caras juntos: eu, Beto e Leko, um amigo de infância havia decidido encarar Los Angeles para juntar uma grana, ficar rico. Eu estava lá um pouco porque queria que o mundo esquecesse de mim e, também, queria alguma aventura, comprar algum equipamento fotográfico, encontrar minha namorada e voltar para o Brasil em um ano.

Meu primeiro emprego foi como vendedor de rosas na rua, em sinais das freeways. Nessa época, fiz umas fotos preto e branco da minha namorada e quando estava conferindo os contatos, em um estúdio, uma moça simpática elogiou o meu trabalho e quis saber de onde eu era. Respondi que sou brasileiro e que procurava emprego na área fotográfica. Foi quando ela me deu um endereço e recomendou que eu procurasse o Tony. Sai do estúdio com dois cartões: o dela e o da L.A. Phoworks.

No dia seguinte, fui conhecer o tal Tony, dono do L.A. Photoworks – um pequeno laboratório bem artístico que só trabalhava com revelação e ampliação de fotos preto e branco. O lugar ficava em uma travessa pequena da rua que cortava a Santa Monica Blv, a 42 St. Quando passei pela porta, disparou uma campainha para avisar que havia clientes. Foi quando apareceu um homem forte, de uns 35 anos, e perguntou prontamente em que poderia me ajudar, era o Tony.

Contei que havia encontrado com uma amiga dele em um laboratório fotográfico perto dali e que ela havia me passado o seu contato, pois sabia que ele precisava de alguém para trabalhar ampliando fotos PB – e estendi o cartão da mulher. Foi quando ele me perguntou se eu tinha experiência ampliando fotos PB e eu, achando que sabia tudo de fotografia, respondi rapidamente: claro.

Tony sugeriu testar o meu conhecimento em ampliação. Aceitei de cara e, então, ele me levou para um corredor estreito onde tinham uns oito ampliadores e uma bancada enorme com bacias plásticas bem maiores que eu estava habituado a ver. Parou em frente a um dos ampliadores, colocou um papel, usou um aparelho para medir o foco, puxou um conjunto de filtros, escolheu um e acionou o timer. Depois disso, acionou novamente o timer e ficou protegendo algumas áreas da foto com as mãos, fazendo uns gestos na frente da luz.

Foi nessa hora que eu descobri que passei quatro anos em uma universidade sem aprender merda nenhuma de ampliação!

Então ele submergiu o papel nas bacias. Revelou, interrompeu e fixou. Ao final do processo, acendeu uma lâmpada branca direcional, olhou a prova do meu lado e concluiu que deveria melhorar os cantos, queimar mais. Perguntou se eu concordava, e eu, novamente, respondi apenas: claro.

Ele pediu para eu fazer uma ampliação melhor – agora tá fácil, me disse, você já viu onde fui deficiente –, e riu muito quando lhe contei que eu havia passado quatro anos ampliando fotos em uma universidade brasileira e que nunca tinha visto nada parecido com aquele aparelho que ele usava para medir o foco. ” Tá brincando, cara! E como você acha o foco? “. Brazilian way, man!, respondi apontando para os meus olhos.

Depois de um tempo ele disse que me ensinaria como se amplia uma foto e que eu começaria no dia seguinte. Questionei quanto seria o salário e ele, agora gargalhando, repetiu ” salário? ” e concluiu: você vai aprender comigo em um mês o que não aprendeu em quatro anos em uma universidade e ainda quer ser pago para isso, cara.

A América não é a terra das oportunidades, cara? – lhe disse sorrindo, e ele propôs me pagar cento e cinquenta dólares por semana no primeiro mês, até eu aprender, mas eu teria de levar o meu social security e receberia descontos no cheque de pagamento.

Saí dali radiante. Tinha conseguido meu primeiro emprego na minha área, em LA., e perto da minha casa. Subi na bicicleta amarela e voei para Venice, porque ainda dava tempo de encontrar o cara da van e vender umas rosas no fim do dia.

Em um mês eu já estava conseguindo fazer umas fotos razoáveis. Vi passar pelas mãos do Tony fotografias de Chet Baker, John Coltrane, Tom Waits, John Ford. Trabalhei lá um ano e confesso que muitas vezes pegava uma foto que Tony jogava no lixo e ficava tentando descobrir o defeito. Quando ele me via assim, perplexo com uma foto molhada que tinha ido para o lixo, gostava de me provocar: ” então, Victor, qual é o problema com a foto? “.

Trabalhava das nove às dezoito, quando o cara da van passava com o automóvel abarrotado de mexicanos e baldes de rosas, me pegava, me largava com um balde na saída de alguma freeway e eu ficava ali até as vinte horas, quando o cara da van retornava, recolhia o que eu havia vendido e me dava uma carona até em casa.

Além do laboratório e da venda das rosas, eu ainda fazia bicos como garçom. E com isso eu comprei a minha Canon EOS one, a primeira câmera autofoco, que, na época, custava por volta de uns dois mil dólares.

Passado um ano trabalhando nesse laboratório, acabei saindo de lá e aí começa a parte mais divertida que foi quando conheci um pessoal que forjava acidentes de carros, um grupo de judeus que tirava grana das companhias de seguro. Mas essa já é uma outra história…

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/Victor Hugo Cecatto, L.A. Phoworks

Victor Hugo Cecatto (@victor_hugo_cecatto), é fotografo e designer. Nasceu em Santa Maria (RS), viveu e trabalhou em Los Angeles e Porto Alegre entre 1989 e 1998. Vive e trabalha no Rio de Janeiro desde então.

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